Se você acessa a Internet, então provavelmente não fica em fila do INSS para tentar marcar uma consulta com um médico ou não tem que enfrentar hospitais imundos com falta de médicos . Os médicos faltam porque "não há dinheiro" para pagar um salário decente a eles , mas sempre sobra para superfaturar materiais hospitalares e refeições.

Se você é surrupiado até na morte de um ente querido, devemos tudo às pessoas responsáveis (e pagas!) por zelar pelo bem estar da população. Este é o espaço para deixar claro aos governantes que o que eles fazem por nós não chega nem aos pés (descalços) do que o brasileiro deveria ter, haja vista todos os impostos que somos obrigados a pagar.


Carta 024 -A QUESTÃO DO ERRO MÉDICO

Como não aprecio a camuflagem através de "nicks", informo aos meus leitores, se houver algum, que os dados como: título, autor, cidade, etc., são absolutamente autênticos, e mais, sou médico! Isto não significa que, posando de bom moço, tenha vindo até este espaço externar uma opinião tendenciosa sobre o importante tema que serve de título a este fórum.

Não estou aqui para fazer a defesa intransigente dos médicos, como seria de esperar, pelo propalado espírito de corporativismo que, acreditam todos, exista dentro da profissão, tampouco para lançar nódoas em uma atividade que do meu ponto de vista, se reveste da mais elevada importância. Penso que, para efeito de raciocínio, poderíamos dividir as opiniões sobre o assunto em: a) emitidas por vítimas de supostos erros médicos e seus familiares; b) emitidas pelos próprios médicos e c) emitidas pela população em geral, (refiro-me, evidentemente, à parcela pensante.).

Os membros do grupo a que se chamou de a) teria uma opinião até certo ponto tendenciosa, por terem sofrido, na própria carne, as conseqüências danosas de um suposto erro médico, via de regra, pendendo para generalizações perigosas e uma absoluta desilusão com respeito ao relacionamento médico-paciente.

Os membros do grupo b), portanto, os próprios médicos, teriam uma opinião percebida também como tendenciosa, na medida em que existe mesmo um espírito de corpo, saudável em algumas ocasiões, maléfico em outras. O médico, via de regra, ainda não conseguiu divorciar-se da falsa idéia de que é o detentor do saber supremo, inquestionável, que a ninguém deve explicações, todo poderoso diante do seu paciente e familiares, sofridos, fragilizados, indefesos e esperançosos em auferir os benefícios desse suposto saber.

Os membros do grupo c) têm opiniões que vão: da indiferença absoluta pelo tema, por falta de informações, já que preferem não pensar muito sobre o assunto, navegando mais à vontade quando o mote é futebol ou carnaval, ao ataque ou à defesa apaixonados de uma ou outra posições, sem, entretanto, munirem-se de quaisquer alicerces mais sólidos a embasar os seus pontos devista.

Aparentemente estamos no mato, sem cachorro. Como abordar então tal assunto? Lembram-se, os mais velhos, de quando o médico da cidade era chamado para um atendimento domiciliar? Dava-se um retoque na limpeza da casa, trocavam-se as toalhas e roupas de cama, fazia-se um cafezinho mais forte, tudo porque o Doutor ia chegar!

O profissional aparecia, então, trazendo a sua tradicional e indefectível maleta, de onde extraía seus instrumentos simples, nenhuma parafernália eletrônica, graças a Deus, e, conversava. Conversava longamente, com os familiares e com o paciente, sobre as suas queixas, examinava, auscultava, palpava, percutia, tocava, cheirava, olhava o aspecto do conteúdo do penico sob a cama, o catarro, as fezes, a urina, cofiava o cavanhaque, quando existia, e por fim, estabelecia, geralmente, um acertado diagnóstico. Preenchia o receituário que iria trazer lenitivo ao seu paciente. À saída, fazia as recomendações aos familiares, que o ouviam com atenção e respeito, e se colocava à disposição para os retornos necessários ao acompanhamento do doente.

A receita era, então, levada ao boticário da esquina, que preparava o medicamento, conforme a receita magistral ou fornecia o produto, já manipulado, quando existia.

Instituído o tratamento, forneciam-se ao médico os dados sobre a evolução do doente, dando-lhe a oportunidade de, diante de um quadro com evolução desfavorável, reexaminar o seu paciente, reformar o seu raciocínio e enveredar por outra senda de diagnóstico e terapêutica. Era um relacionamento tranqüilo, em que, mesmo sem o desenvolvimento científico atual, o médico contava com a colaboração, o respeito e a confiança dos pacientes e familiares, e, mesmo diante de um insucesso, o médico procurava explicar as razões do epílogo desfavorável e no final não restavam mágoas de quaisquer dos lados. Conheciam-se todos pelos nomes. Sabiam onde poderiam encontrar o doutor, que morava, nem sempre perto, mas sempre alcançável a qualquer hora, que não se incomodava em deslocar-se por meios próprios, a pé, ou mesmo encarapitado em bicicletas, no dorso de montarias ou na boléia de carroças e charretes.

Aos mais íntimos, contava o doutor, em momentos de ócio, geralmente bem poucos, o quanto lhe custara em termos de estudos e sacrifícios, formar-se em medicina. O enorme empenho de toda a sua família, em bancar-lhe o curso todo, ou somente a especialização, na França, Itália, Inglaterra...etc. O doutor era uma pessoa culta. Tinha hábitos saudáveis, falava com desenvoltura sobre a mitologia greco-romana, apreciava música clássica, tinha sólidos conhecimentos das matérias que faziam parte diretamente de sua lide, mas também de latim, grego, inglês, espanhol e francês, que o ajudavam a manter-se atualizado. Viajava anualmente para o seu país de formatura, para atualizar-se, deixando em seu lugar o colega mais novo, a quem recomendava cada paciente seu, mantinha uma cerrada correspondência com os seus professores, com quem trocava idéias sobre os seus casos clínicos. Não tinha pejos em solicitar ajuda aos mais experientes ou soberba em pegar nas mãos canhestras dos neófitos para ajudá-los no aprimoramento do seu labor, tudo em benefício do paciente, a sua verdadeira razão de ser.

Vivia confortavelmente o médico. Sem grandes faustos, porém com as suas necessidades básicas satisfeitas, de modo a sobrar-lhe algum tempo para um descontraído convívio familiar, para as suas reuniões com outros colegas, para troca de experiências, e tempo para estudar as atualizações médicas. Constituíam-se os médicos em uma camada social própria, fazendo parte da elite sem serem elitistas. Conheciam com exatidão o seu lugar na sociedade, o valor do seu trabalho, e, se cobravam mais dos melhor aquinhoados, era para poder atender com o mesmo desvelo e rigor técnico, graciosamente, aos carentes. Fazia-se medicina por puro idealismo e sacerdócio. O aporte econômico era uma decorrência, e não um fim em si mesmo. Bons tempos! Priscas eras! Diria o poeta, que longe vão, deixando um vácuo irreparável na relação médico-paciente!

Hoje, médicos e pacientes, cavaram trincheiras em campos opostos, tratam-se como menos números. São, via de regra, inimigos cordiais. É cada vez mais distante o relacionamento médico-paciente, entremeado com aparatos eletro-eletrônicos. Gostaria de ver como trabalhariam os nobres colegas, se, de um momento para outro houvesse um prolongado “black-out”. E os erros médicos? Evidentemente existiam, como persistirão enquanto no mundo existirem os médicos. O ser humano é sujeito a erros. Está muito longe da perfeição, que deve ser o seu eterno norte, entretanto, os erros cometidos anteriormente decorriam de limitações técnico-científicas, jamais por absoluta falta de respeito pelo paciente e desprezo pelo seu sofrimento, como hoje se observam.

Se antigamente, formar médicos era a mais nobre das missões, hoje, transformou-se em um lucrativo negócio, onde, as qualidades técnica e moral do formando não são critérios levados em consideração. Interessa apenas se ele pagou em dia as mensalidades da escola. Houve uma exagerada proliferação de escolas médicas, principalmente na época do tão falado “milagre brasileiro”.

Aos jovens de condição sócio-econômica modesta, era acenada a possibilidade de concluírem um curso superior, com a popularização das universidades, e a medicina sempre foi um grande atrativo. Esta ilusão de progresso foi facilmente aceita e digerida pelo populacho iletrado, o mesmo que hoje sofre e reclama das dificuldades em absorver-lhe as conseqüências. Baixaram-se os níveis mínimos exigidos para o ingresso no ensino superior, para absorver a massa de estudantes já vítimas de um ensino básico claudicante.

Modificaram-se os currículos, reduzindo as exigências, como medidas demagógicas cuja resultante dramática todos conhecemos. É mais fácil modificar o currículo do que investir em qualidade, até mesmo porque, os responsáveis por esses crimes, sequer se tratam no Brasil, ou seja, não consomem o produto que criaram.

Gostaria muito de ver os nossos políticos e demais líderes, em uma fila de um postinho de saúde da periferia, aguardando por um atendimento que está longe de preencher as mais elementares necessidades do doente. Se antes a medicina era taxada de elitizada, e, até certo ponto, fazia juz a este adjetivo, hoje ela popularizou-se e prostituiu-se de uma tal forma que abdicou de toda a qualidade técnica e moral, para nivelar-se ao rés do chão, enveredando, muitas vezes por vertentes criminosas de desvios de verbas, corrupção desenfreada e toda a sorte de desmandos, em que o paciente, sequer é levado em conta.

Os erros médicos atualmente observados decorrem, principalmente, da entrada no mercado de trabalho de profissionais mal formados técnica e moralmente, que, diante de uma tabela de honorários aviltante, insurge-se contra o seu paciente, e não contra os responsáveis pelos valores da tabela. Caem no inevitável círculo vicioso: ganha-se mal porque trabalha-se mal, ou trabalha-se mal porque ganha-se mal? Nas demais atividades, se não aceitável, pelo menos é compreensível esta situação, porém, em medicina, onde a matéria prima com a qual se trabalha, é a mais nobre entre todas, não se pode admitir tal situação.

Fala-se à exaustão, por todos os meios de divulgação, da eterna falta de dinheiro para a saúde, achando-se que dela decorrem todas as falhas pessoais e dos serviços. Questiono esta assertiva. Jamais se tratou seriamente a qualidade técnica do profissional médico, como se este fosse um território tabu. Enquanto persistir este conceito errôneo, vamos a lugar algum. Mais importante do que o dinheiro aplicado em refinamentos de técnica, que sofrem os mais variados desvios de trajeto até chegar, devidamente mutilado ao seu objetivo, está a elevação do nível técnico/profissional/moral do médico.

Um profissional, quando competente, munido de uma lâmina de barbear e de um talo de mamona é capaz de fazer uma traqueostomia e salvar uma vida. Munido de uma furadeira doméstica, é capaz de drenar um hematoma intracraniano e salvar outra vida. O grande problema é, onde praticar a incisão, mesmo que se tenha nas mãos um bisturi de ouro? Como colocar uma cânula, mesmo sendo esta feita do mais sofisticado e puro silicone? Onde efetuar a trepanação, mesmo com uma máquina computadorizada? Milhares de outros exemplos poderiam ser dados, em que fica patente que o fulcro da questão, na verdade é a qualidade da mão de obra médica oferecida à população, fruto de um ensino capenga, que começa falhando no ensino básico, de onde saem praticamente analfabetos e deságuam nas universidades e por conseqüência, na vida profissional.

Se os médicos, em sua defesa, alegam falta de condições materiais de trabalho, é porque nunca leram o seu próprio código de ética, onde está escrito que: se não encontrarem as condições mínimas para o desempenho digno de suas funções, devem recusar-se a exercê-las. O profissional bem formado, conhece o seu valor, recusa-se a ser nivelado por baixo, recusa-se a ter os seus honorários estabelecidos por outrem, que ignora a sua qualificação técnica e a sua dedicação ao que faz, sente-se humilhado ao ter que marcar cartão de ponto, como um operário comum, tendo descontados minutos de atraso em seu salário, como ocorre em determinada Prefeitura Municipal, onde todo o médico é considerado como desonesto e vagabundo, até que prove o contrário, o que nunca conseguirá. Encaram a medicina como se fosse uma atividade que pudesse ser norteada por minutos a mais ou a menos na jornada de trabalho, determinando número mínimo de atendimentos por hora, que contraria a orientação da própria OMS, (Organização Mundial de Saúde), que prevê um tempo mínimo de 15 minutos gastos pelo médico por paciente, que, dolosamente, foi alterado para tempo máximo de 15 minutos por paciente, exigindo-se uma produção, (o nome é este mesmo!), de 04 paciente por hora, no mínimo. É por essas e outras coisas, que, fizeram-se vários concursos e não conseguiram preencher as vagas existentes, tendo que recorrer à contratação de profissionais temporários, sem qualquer compromisso com a saúde pública.

Situações como esta, tão comuns neste nosso Brasil, são aceitas somente por três tipos de profissionais: os recém-formados, por falta de opção, e que debandam assim que conseguem sustentar-se com as próprias pernas; os incompetentes, que também, por falta de opção determinada pela sua incompetência, tornam-se capachos do sistema e podem até ser alçados à condição de chefículos, o que muito lhes agrada, lustra o ego e dá uma falsa, porém confortável sensação de competência profissional, e finalmente, aqueles, entre os quais me incluo, que, bem formados e competentes, por puro idealismo abraçaram a medicina pública em uma época em que se valorizava o profissional, e que hoje, permanece porque falta pouco tempo para a aposentadoria, e não pode abrir não deste pecúlio do qual dependerá a sua sobrevivência na senectude.

Ouvi de um colega médico, que por sua vez ouviu da boca, fétida, do protagonista da história, o fato de que, uma vez em plantão de pronto-socorro, quando chamado de madrugada, (não sei o que fazia dormindo um médico de pronto socorro!), sequer escovara os dentes, para, propositadamente, bafejar o seu hálito pútrido no nariz do paciente, como forma de puni-lo por ter sido acordado. Contou isso entre gargalhadas de prazer. Estes são os nosso médicos?!

O que sabem estas pessoas, sobre humanitarismo, sobre respeito ao ser humano, sobre a nobreza da profissão que abraçaram, mas da qual não são dignos sequer para tarefas de faxina? Posso acreditar e confiar a minha vida a um profissional desta qualidade?

O cerne da questão do Erro Médico, é muito anterior ao episódio erro médico, em si. Remonta à qualificação intelectual e moral do estudante, desde a sua formação básica, e que, diagnosticada e corrigida hoje, não apresentará resultados satisfatórios em menos de 30 anos, daí não despertar o interesse da maioria dos nossos políticos, que estão preocupados somente com a imediata vantagem, econômica ou eleitoral que possa auferir, no máximo até às próximas eleições. Prazos maiores não estão em seus planos. São estas pessoas que, quando necessitam de serviços médicos recorrem às ilhas de excelência mundial. Jamais irão ao Pronto Socorro Público.

Antonio Carlos de Souza
acarlosdesouza@uol.com.br

 

 


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